Fará sentido este primeiro manifesto mundial contra as pseudoterapias?

Fará sentido este primeiro manifesto mundial contra as pseudoterapias?

Um grupo de 2750 médicos e cientistas de 44 países lançou ontem o primeiro manifesto mundial contra a pseudociência na saúde. A iniciativa, coordenada por mais de dez instituições de defesa da medicina baseada em evidências e do pensamento crítico e céptico sediadas na Europa, traz um alerta para os perigos da oferta e promoção de tratamentos ditos “alternativos” à medicina convencional – como homeopatia, reiki, iridiologia, biomagnetismo e terapia ortomolecular, entre outros – para os pacientes e pede a revogação da legislação que as permite.

De Portugal, assinaram o manifesto o médico de saúde pública Ricardo Mexia ou o comunicador de ciência David Marçal.

O primeiro manifesto mundial contra as pseudociências na saúde começa assim: “Sejamos claros: as pseudoterapias matam. E não apenas isso: também são praticadas com impunidade graças às leis europeias que as protegem”, diz o texto, disponível em uma dúzia de línguas, entre elas o português, para depois listar casos de pessoas que morreram na Europa ao serem instadas a tratar infecções com homeopatia no lugar de antibióticos, câncer com vitaminas, ou a largar as terapias convencionais que usavam para doenças como asma ou problemas cardíacos em troca de soluções “alternativas”. “A Directiva Europeia 2001/83/CE permitiu — e ainda permite — que centenas de milhares de cidadãos e cidadãs europeias sejam enganados diariamente”, denuncia o manifesto. “Importantes lobbies tiveram, assim, a oportunidade de redefinir o que é um medicamento e agora vendem açúcar a pessoas doentes, fazendo-as crer que se podem curar ou melhorar o estado de saúde. Isto resultou em mortes, que continuarão a ocorrer até que a Europa admita uma realidade indiscutível: o conhecimento científico não se pode vergar aos interesses económicos de uns poucos, muito menos se isso implicar enganar pacientes e violar os seus direitos”.

Comentário sobre a Acupunctura

Sem estar a particularizar a questão, diria que a acupunctura é um caso à parte. A medicina tradicional chinesa estuda-se em Universidades Portuguesas e pelo mundo, com liderança de comunidades científicas universitárias. É usada em hospitais portugueses e pelo mundo. Trata-se de conhecimento testado e válido. Portanto, coloca-la no mesmo cesto de algumas das outras pseudoterapias apontadas, não é legítimo.

Por outro lado, como profissional da área, já ouvi tantos relatos de homens e mulheres de ciência que por desespero experimentaram essas “medicinas alternativas” depois de esgotarem a medicina ocidental e que se trataram. Veja-se o caso dos próprios médicos, enfermeiros e profissionais de saúde que estão a procurar cursos e formações para conhecerem melhor essas alternativas.

Quanto à distinção entre ciência e não-ciência: trata-se de um problema de demarcação do qual já desistiram todos os epistemólogos. Um dos últimos a tentar resolver o problema foi K. Popper, com a “refutabilidade” que foi buscar a Xenófanes, mas não teve sucesso: foi refutado por Kuhn, Lakatos, Toulmin e outros.

Tudo o que compromete o poder dos laboratórios institucionalizados (e estas medicinas fazem-no) é tido como uma ameaça aos “status quo” instalados é logo uma ameaça a humanidade e aos bons costumes.

Manifesto contra as pseudoterapias

O documento lembra que a Europa – assim como muitos outros lugares ao redor do mundo, inclusive o Brasil – já enfrenta problemas graves de saúde pública o bastante, do financiamento insuficiente ao excesso de medicalização e o surgimento de bactérias super resistentes, para também ter que se preocupar com a actuação de “gurus, falsos médicos ou até médicos formados” que afirmam poder curar câncer ou outras doenças por meio de coisas como “manipulação de chakras, da ingestão de açúcar ou da aplicação de ‘frequências quânticas’”.

“A Europa deve não só travar a promoção da homeopatia, como também deve lutar de forma ativa para a erradicação de fraudes de saúde pública envolvidas em mais de 150 pseudoterapias presentes no nosso território. A vida de milhares de cidadãos e cidadãs disso depende”, acrescenta o texto, que cita estudos recentes que apontam que 25,9% dos europeus, ou cerca de uma em cada quatro pessoas no continente, recorreram a pseudoterapias no último ano, “ou seja, 192 milhões de pacientes enganados”.

Ainda de acordo com o manifesto – que tem entre seus signatários Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), que publica esta Revista Questão de Ciência -, é falsa a noção de que a luta pela eliminação das pseudoterapias atenta contra a liberdade de escolha de tratamento médico pelos pacientes.

“Mentir aos doentes para lhes vender produtos inúteis, que os podem matar, viola seu direito de receber informação verídica sobre a sua saúde”, argumentam os especialistas. “Por isso, embora um cidadão ou cidadã tenha o direito a renunciar um tratamento médico estando correctamente informado, também é certo que ninguém tem o direito de lhe mentir para obter um ganho económico à custa da sua vida. Só num mundo onde considerássemos que mentir a um doente para lhe extrair dinheiro é ético, é que poderíamos permitir que se continue a vender homeopatia — ou qualquer outra pseudoterapia”.

Mas mais do que a simples substituição de um tratamento eficaz por outro falso ou enganoso, destacam os signatários, esta oferta de soluções “alternativas” também pode atrasar a prescrição e adesão a terapias de fato potencialmente capazes de salvar os pacientes caso fossem adoptadas de imediato.

“Para além disso, verifica-se um óbvio atraso na atenção terapêutica dada aos pacientes que, perante os primeiros sintomas de doença, recebem produtos falsos em vez de medicamentos. Muitas vezes, quando chegam à medicina, já é demasiado tarde”, realçam no texto.

O manifesto encerra reafirmando que os postulados das pseudoterapias, como a homeopatia, não são compatíveis com o conhecimento científico, de forma que as leis europeias que protegem e amparam esta e outras práticas “são inadmissíveis numa sociedade científico-tecnológica que respeita os direitos dos pacientes a não serem enganados”. E, diante disso, os especialistas cobram uma acção contrária, na forma de “medidas para travar as pseudoterapias porque não são inócuas e dão origem a milhares de afectados”, com a Europa trabalhando “no sentido de criar leis que ajudem a parar este problema”.

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