Redes especializadas, segmentação por nichos de mercado, cultura de prevenção e promoção de hábitos saudáveis são alguns dos caminhos a seguir pelos seguros de saúde no reforço do seu papel enquanto serviço complementar ao Serviço Nacional de Saúde. A curto prazo, os prováveis cortes na saúde pública poderão incrementar a procura do sector privado.
Os possíveis cortes na saúde pública poderão aumentar o potencial de crescimento do mercado de seguros de saúde? A questão foi colocada a diversos operadores da saúde privada pelo jornal OJE.
Assumindo que a instabilidade do contexto económico nacional dificulta previsões muito precisas, a resposta é, ainda assim, afirmativa.
Os seguros de saúde suprem as lacunas do SNS segundo a Multicare
“Os seguros de saúde oferecem aos clientes soluções para suprir as lacunas do Serviço Nacional de Saúde (SNS) ao nível do conforto e da espera. Por isso mesmo, à medida que há mais limitações nos serviços oferecidos há sempre mais potencial para uma maior procura dos seguros de saúde para complementar o SNS”, alega Carlos Coutinho, administrador da Multicare.
“No entanto, não deixa de ser verdade que as pessoas pagam uma dupla cobertura. Contribuem com os seus impostos para o SNS e pagam adicionalmente para ter um seguro de saúde”, reconhece ainda o administrador da seguradora Multicare.
Médis considera seguro de saúde complementar ao SNS
É precisamente esta razão que leva Pedro Correia, diretor coordenador da Médis, a considerar o seguro de saúde como suplementar ao SNS. E os cortes que se avizinham na saúde podem efetivamente constituir um desafio positivo para este mercado, assume Pedro Correia, ressalvando, no entanto, que o desafio mais importante prende-se com o facto de muitos atos médicos que tradicionalmente eram praticados no sector público estarem agora a passar, em grande parte, para o sector privado.
O diretor coordenador da Médis confirma uma crescente sobrecarga nos custos com internamentos e reconhece que o desafio para as companhias de seguros está agora no controlo desta variável.
Segundo a Generali não tem existido eliminação da concessão de seguros de saúde por parte das empresas
Rendidos ao acesso privilegiado à saúde privada que os seguros concedem, muitos portugueses esforçam-se agora por não perder benefícios a que já se habituaram. Quem já tem seguro faz um esforço tremendo para manter a sua apólice. É certo que se procuram as ofertas mais acessíveis, com menos coberturas, mas as famílias não querem perder aquilo que o seguro lhes dá, constata Rui Meireles, director técnico de Saúde na Generali.
Já no mercado empresarial, é no âmbito de políticas de “employee benefits” que muitos portugueses beneficiam de cobertura de seguro de saúde e aqui Rui Meireles confirma ter visto muitos clientes a reduzir benefícios concedidos, por imposições orçamentais, mas realça que a eliminação completa deste benefício não tem sido política comum no tecido empresarial português.
A seguir ao salário o seguro de saúde é o benefício mais desejado
Algo que não espanta Pedro Penalva, CEO da corretora Aon Portugal, segundo o qual o seguro de saúde é, a seguir ao salário, o benefício mais valorizado em qualquer companhia. E apesar das dificuldades sentidas por muitas empresas para manter benefícios passados, há também aquelas que procuram agora estrear-se neste tipo de benefícios, procurando planos básicos para conseguir complementar a oferta salarial para os seus quadros.
Seguros de saúde e prestadores de cuidados de saúde privada dependem uns dos outros
Inquestionável tem sido o contributo dos seguros de saúde para a crescente afluência aos prestadores de cuidados de saúde privada, reconhece João Martins, administrador dos Hospitais Privados de Portugal (HPP). E antecipando o futuro, João Martins prevê que as restrições orçamentais na saúde signifiquem claramente uma acumulação das dificuldades de acesso ao SNS, o que significa que o Orçamento de Estado agradece que a saúde privada cresça.
Certo de que a saúde privada vai ganhar peso relativo na Saúde em Portugal, o administrador dos HPP alega, no entanto, que o seguro de saúde não tem existência autónoma sem o sector privado, enquanto este consegue existir sem o seguro de saúde, com clientes que acedem a título particular aos serviços prestados naquelas unidades. Logo, os seguros de saúde terão de saber captar este mercado de particulares que recorre já à saúde privada e que ainda está fora do mercado dos seguros.
Seguradoras preferem anunciar quantidade de prestadores em vez da qualidade dos mesmos
Crítico em relação às redes de prestadores disponíveis no mercado de seguros de saúde, João Martins considera que os operadores deveriam posicionar-se em redes de mais qualidade e menos quantidade, pois atualmente o cliente de seguros de saúde não consegue diferenciar as redes. O administrador dos HPP acusa mesmo as seguradoras de estarem mais preocupadas em anunciar milhares de prestadores, em vez de dizerem que têm os melhores prestadores em determinada área.
Fiscalidade deverá incentivar os seguros de saúde segundo a Saúde Prime
Mas a evolução do mercado de planos de saúde terá necessariamente de passar por vários trabalhos de fundo, concordam os participantes no debate promovido pelo OJE. O seguro de saúde apenas financia três por cento da despesa total de saúde em Portugal. É praticamente irrelevante. Tem que haver um efeito fiscal que incentive a adopção do seguro de saúde, defende José Pina, diretor-geral da Saúde Prime. Não é por acaso que sempre que se divulga uma notícia mais negativa sobre a saúde pública aumenta o número de adesões a seguros de saúde.
Improvável a opção em definitivo pelos seguros de saúde privados deixando o SNS
Ainda assim, avançar para uma política que permita aos contribuintes optar em definitivo pela saúde privada, deixando de contribuir para o SNS, é um cenário muito improvável em Portugal, asseguram os operadores. Carlos Coutinho não acredita que Portugal caminhe nesse sentido. “A dotação para o SNS é fundamental para manter algum equilíbrio e os portugueses teriam receio de abdicar em definitivo do SNS”, antevê o responsável da Multicare. “As pessoas pensam muito em seguros de saúde para suprir necessidades do dia-a-dia e para os grandes riscos continuam a pensar sobretudo no SNS”.
E há mais trabalho de fundo a ser feito. “Há claramente espaço para o crescimento do financiamento privado na saúde, mas há muita coisa para fazer além da questão fiscal”, refere Rui Meireles.
“Há muita legislação que tem de ser clarificada, nomeadamente no que diz respeito à uniformização do leque de serviços prestados pela classe médica”, exemplifica o diretor técnico de Saúde da Generali.
Rui Meireles diz mesmo que em Portugal, o seguro de saúde não é complementar nem suplementar ao SNS. É claramente um duplicado, questionando porque razão o seguro de saúde não pode ser extensível a prestadores do sector público.
Uniformização e transparência no negócio da saúde privada compõem também a prescrição de Pedro Correia para o trabalho de fundo que o país deve fazer na área da Saúde. E esse trabalho de fundo faz, de facto, muita falta. É preciso perceber até que ponto os seguros de saúde podem ou não vir a substituir o SNS. E as seguradoras, prestadores de cuidados de saúde e a própria classe médica devem ser chamados a participar nesse trabalho de uniformização e transparência deste negócio”, sustenta o diretor coordenador da Médis.
E José Pina reforça a ideia de que “quando estes tempos mais difíceis passarem, há que avançar com uma discussão desapaixonada sobre o SNS, procurando criar sinergias entre o sistema privado e o sistema público e questionando se o SNS se deve manter como financiador e prestador”.
Especialização de redes de prestadores por áreas de saúde
A lógica de evolução dos seguros de saúde terá necessariamente de passar pela aposta em nichos de mercado. É o que antevê Pedro Penalva. O CEO da Aon Portugal confirma que a percepção dos clientes sobre a oferta das várias redes de prestadores é muito indiferenciada e, como tal, acredita que o futuro pode passar também pelo aparecimento de redes especializadas em determinadas áreas da saúde.
A este propósito, Carlos Coutinho vai mais longe e diz que “não temos verdadeiramente um regime de ‘managed care’ porque não temos uma ação direta sobre a forma de tratamento, com modelos pré-estabelecidos e medidas preventivas”, lembrando que o controlo de toda a utilização do seguro de saúde é uma competência dos médicos que assistem os nossos clientes. O responsável da Multicare não tem qualquer dúvida de que a inovação deste sector passará pela prevenção e assegura que quem conseguir estar mais perto dos clientes a esse nível será recompensado pelo mercado.
O seguro de saúde deverá ser um instrumento para melhor saúde e não para pagar despesas
Também para José Pina a grande inovação do sector estará ligada à prevenção. O seguro de saúde terá de ser encarado como algo que ajuda a ter melhor saúde no futuro e não como uma ferramenta para pagar despesas de saúde, sustenta o diretor-geral da Saúde Prime.
As seguradoras ainda só se limitam a financiar, mas terão que investir em políticas de prevenção e de promoção de hábitos saudáveis, acrescenta José Pina.
Seguros de saúde para sénior
Responder às crescentes necessidades de cuidados médicos do segmento sénior tem sido uma preocupação presente em diversos operadores, que lançaram já oferta específica para este público-alvo, tradicionalmente excluído do acesso a coberturas de seguros de saúde.
Segundo João Martins há muito trabalho a fazer nesta área. A população está a envelhecer fortemente, o que significa que boa parte do crescimento da Saúde em Portugal vai estar centrada neste segmento”, destaca o administrador dos HPP.
Rui Meireles recorda, no entanto, que enquanto a lógica dos contratos anuais renováveis se mantiver, será difícil ter prémio para financiar despesas de saúde para sénior a partir dos 65 anos, pelo que acredita que a resposta a este problema passará sempre pela integração entre os sectores público e privado.
Também Pedro Correia defende que o segmento sénior estará no centro de um dos vários trabalhos de fundo a ser feito neste sector. Mas não só. “A inovação estará também numa cultura de saúde. Isto passa por estimular a utilização de cuidados de saúde primários e moderar o acesso às urgências. É preciso passar estes conceitos para o utilizador final e as seguradoras têm um papel relevante a desempenhar nesta área”, alega o responsável da Médis.